Constituição, Brasília e meio ambiente

SÉRGIO E. MOREIRA LIMA – Embaixador aposentado, advogado e presidente do conselho da Sociedade Brasileira de Direito Internacional

Em plena crise climática, diante do desmatamento e das queimadas, convém refletir sobre o papel do direito na prevenção dos desastres ambientais provocados pela ação humana. A redemocratização constitui o movimento dos mais importantes da história contemporânea do Brasil, cujo marco é a Constituição de 1988. Em seu artigo 225, após estabelecer que todos têm direito ao meio ambiente saudável, de uso comum do povo e essencial à qualidade de vida, a Carta Magna impõe ao poder público e a todo cidadão o dever de defendê-lo e garanti-lo para as presentes e futuras gerações. Assim, cabe à autoridade municipal, estadual ou federal não apenas preservar, como também “restaurar os processos ecológicos das espécies e ecossistemas”, assegurando a diversidade e a integridade do patrimônio genético do Brasil. Incumbe-lhes ainda promover a educação ambiental e a conscientização necessária para tanto.

A destruição contínua do Cerrado, da Amazônia e do Pantanal, bem como a urbanização desenfreada sem planejamento, que põe em risco o meio ambiente saudável e o ecossistema, ferem a Constituição e o Estado democrático de direito. Sem ação preventiva e corretiva, parte do território nacional corre o risco de desertificação. A alteração do regime de chuvas impõe a proteção das nascentes e a restauração dos biomas. Desmatamento e queimada reduzem as chuvas e o volume dos rios, como o Amazonas, que contribuem para a formação das correntes de ar úmido e marítimas com impacto no clima global. A redução da umidade na Amazônia e em Brasília é um alerta grave, que demanda o cumprimento da lei.

Cabe ao Brasil investir em ciência e tecnologia para criar perspectivas de sustentabilidade na agricultura e na pecuária do futuro. Não haverá água para manter o sistema produtivo tradicional da agroindústria. Já não basta a racionalização dos níveis de consumo. Devemos revigorar o processo da formação hídrica pelo investimento em florestas úmidas, seja por meio de sanções e proibições, seja pela aplicação de soluções num tempo de tecnologias digitais e abertura de novos horizontes do conhecimento genético.

O destino do Cerrado, da Amazônia e do Pantanal não será determinado pelo desmatamento e incêndios criminosos, tampouco pelas queimadas sazonais e o uso diário do fogo para eliminar detritos. No quadro atual de crise, as autoridades locais e federais devem vir a público para debater as políticas capazes de mobilizar o país na proteção dos biomas e no cumprimento de nossas obrigações para com o desenvolvimento sustentável. Os incêndios matam, destroem a fauna e a flora e comprometem o direito de futuras gerações. É inconcebível queimar áreas de mananciais em reservas florestais, como na Floresta Nacional, que deveria estar protegida, assim como no Parque Nacional de Brasília.

Diante da prolongada estiagem e das queimadas de origem criminosa, inclusive em terras da União, é preciso compreender as causas e a real dimensão do problema, refletir sobre a eficácia das sanções e as medidas a serem tomadas para enfrentar o desafio também pela via penal e legislativa. Além de superá-lo, devemos cumprir os compromissos internacionais, sobretudo quando a atenção do mundo volta-se para o Brasil, sede do G20, e, em 2025, da COP30. Nos anos 1960, cientistas batizaram a atual era geológica do Antropoceno, para mostrar que o ser humano transforma a natureza e ameaça seus ciclos.

Essa constatação levou a Organização das Nações Unidas (ONU) a reunir, em Estocolmo, em 1972, a Conferência sobre o Meio Ambiente, quando ficou clara a necessidade de equilíbrio entre conservar os biomas e crescer economicamente. Duas décadas depois, o Brasil organizou no Rio de Janeiro, em 1992, a Conferência sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento. Inaugurou-se o Direito Ambiental Internacional com o estabelecimento de princípios que harmonizam no conceito de desenvolvimento sustentável a preservação do ecossistema, a redução das emissões e a atividade econômica. A Cúpula da Terra alcançou importantes resultados: a Declaração do Rio; a Convenção-Quadro sobre a Mudança do Clima, a Convenção sobre Diversidade Biológica, a Declaração dos Princípios sobre Florestas e a Comissão da ONU sobre Desenvolvimento Sustentável.

À frente do debate em torno das perspectivas distintas desse desafio global, o Brasil desempenhou papel construtivo para o êxito também da Conferência Rio 20, realizada em 2012. Esse balanço positivo aumenta nossa responsabilidade para alcançar os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da Agenda 2030, que são o corolário do processo de negociação internacional iniciado em 1972 e consolidado em 1992. Temos seis anos para implementar os 17 ODSs que contribuirão para a melhoria das condições de vida no planeta, dentre os quais: erradicar a pobreza e a fome; saúde e educação de qualidade; consumo e produção sustentáveis; ação contra a mudança do clima; paz e justiça.

Diante da emergência climática, para preservar sua legitimidade e liderança, o Brasil deve cumprir as obrigações estabelecidas na Constituição, transformar os desafios em oportunidades e contribuir para o êxito da Agenda 2030, que tem o mérito adicional de resgatar o multilateralismo na construção de uma ordem baseada em princípios e regras que marcam a prevalência do direito.

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